Pesquisadores de todo o Brasil e do exterior já podem ter acesso a uma vasta documentação sobre a vida material da Amazônia e, mais especialmente, de Belém, em meados do século XIX. É que o Centro de Memória da Amazônia (CMA), órgão vinculado à Universidade Federal do Pará (UFPA), está disponibilizando, na sua página eletrônica, centenas de inventários de pessoas que viveram e morreram na Belém desse período.
Os documentos foram cuidadosamente recolhidos do vasto acervo repassado ao CMA por parte do Tribunal de Justiça do Estado (TJE-PA) – a parceria foi estabelecida na forma de um convênio entre a UFPA e o TJE-PA – e, agora, estão disponíveis na internet. Em breve, assim que a reforma do prédio do CMA for concluída, provavelmente entre março e abril de 2011, eles também poderão ser manuseados na sede da entidade.
De acordo com o coordenador do CMA e professor do curso de História da UFPA, Otaviano Vieira, os inventários agora disponibilizados no formato digital datam do século XIX, mais precisamente do período compreendido entre os anos de 1810 e 1890, e representam importantes fontes de pesquisa não só para os historiadores, como também para qualquer pessoa que se interesse pela vida material, conforto e hábitos de consumo ao longo do tempo.
“O inventário é interessante porque representa uma espécie de encontro entre o indivíduo e a morte. Em geral, quando alguém fazia um inventário, era porque estava doente ou pensando no momento de morrer.
Era, então, como se ele estivesse querendo fazer um ajuste de contas com a sua própria consciência. Nesse sentido, os documentos mostram um pouco da tradição religiosa da época e da própria cultura material da Amazônia – em especial, de Belém, no século XIX. Era bastante comum, por exemplo, homens confessarem que tinham filhos ilegítimos, isto é, fora do casamento. É uma forma de você entrar na vida material dessas pessoas. Vou dar uma ideia: por exemplo, se eu morresse hoje, no meu inventário não constariam 30 garfos ou 30 colheres, mas, até a primeira metade do século XIX, esses itens apareciam nos inventários. E sabe por quê? Porque um garfo e uma colher nesse período eram significativos, eram caros.
Então, é possível observar, através disso, a própria noção de consumo e de conforto que estão dentro desses inventários”, explica.
Em muitos casos, segundo Vieira, os inventários trazem anexados os testamentos, o que torna a visão sobre aquelas realidades ainda mais completa. “O inventário, fundamentalmente, é o levantamento dos bens que a pessoa possuía e do valor de cada um deles. Normalmente trazia também uma pré-divisão desses bens, que só era concretizada, de fato, pelo testamento. Ou seja, era no testamento que a pessoa deixava expresso para quem queria deixar o quê. Os testamentos, em geral, têm um caráter mais emotivo, quase como cartas mesmo. Em suma, estamos falando de uma documentação fantástica”, avalia. (Diário do Pará)
Fonte: Diário do Pará